domingo, 18 de março de 2018

Inverno

O Inverno chegou sem me aperceber.

O tempo foi esfriando devagar. O sol deixou de brilhar com tanta intensidade e soprava apenas uma ligeira brisa. Entretinha-me a ver os bandos de folhas a esvoaçar.

Quando começou a chover disseram que era bom: "Ainda bem. É normal nesta época do ano. É bom para as couvinhas medrarem!"
A ribeira corria forte nessa altura. Os miúdos da aldeia desafiavam-se entre eles a meter o pé na água. Os mais velhos assustavam os mais novos com o mito do Zé Galego que tinha sido levado pela corrente há muitos anos atrás e que agora amaldiçoava a ribeira como fantasma debaixo de água, à espera para se vingar agarrando outro miúdo incauto pelos tornozelos e arrastando-o ribeira abaixo para a morte. Fantasias de infância. Mas também elas me entretinham, na altura.

Algumas semanas depois começou a tempestade. O granizo fustigava as telhas, enquanto as janelas eram açoitadas pelo vento que bufava com desdém de quem tivesse a ousadia de se atravessar no seu caminho. Nos céus trovejava fúria. Cada relampago que caía parecia que se aproximava. A ínicio eram distantes e espaçados. Mas, com o tempo iam-se aproximando e ficando mais perto de casa. Cada vez mais próximos e mais altos também! Ainda mais violentos, mais próximos, mais altos! Altos, Próximos, Violentos! Já estavam mesmo ao lado de casa, de certeza, eu sentia!!! Nessa noite tive medo. Nessa noite senti-me vivo.

Depois veio a neve. As culturas morreram e a ribeira gelou. Tudo branco, estéril e morto. Saía-se à rua e não se ouvia nada. A horta que antes se enchia de vida diante dos meus olhos curiosos, era agora um deserto incolor. Aquela camada de cimento branco, calcava tiranicamente toda a vida debaixo dela.

Entretanto chegou a primavera e depois o verão. Parou de nevar e de chover, a horta floriu com nova vida e a ribeira voltou a encher-se de crianças.

Aquele inverno passou mas ainda estou gelado.