domingo, 3 de janeiro de 2016

A Investigação

Quando ela entrou eu estava a dormir. Tinha-me deixado adormecer no escritório a ouvir a chuva. Chovia copiosamente há 4 dias seguidos e os esgotos estavam inundados. Fedia muito. Ou era disso ou era dos restos de comida rápida esquecidos pelo escritório e das beatas amontoadas em cinzeiros improvisados. As moscas tinham particular interesse num arquivo no canto da sala que já não era aberto à anos. Provavelmente cativadas por algum bolor formado com a humidade que escorre das paredes. A canalização do prédio já não funciona como antigamente... antigamente.

Ainda me lembro quando me mudei para cá. No início isto era só o meu escritório, um sítio para receber os clientes e guardar a papelada. Recordo o dia que mandei gravar na porta: Eduardo Vaz - Detective Privado. Tinha 26 aninhos e foi um dia glorioso. Na altura tinha mais cabelo, menos 15kg e ainda conseguia respirar sem problemas. Hoje não consigo encher os pulmões de ar sem desatar a tossir. A vida sorria-me e o futuro só me trazia esperança. Durante os primeiros anos a coisa ainda funcionou bem. Ainda havia trabalho. A cidade fervilhava de acção e eu não tinha mãos a medir. Ao fim de 3 anos cheguei mesmo a casar-me com a agora minha ex-mulher. Fizemos a lua-de-mel no Brasil. Ainda havia trabalho nesta cidade. Desses tempos não restou nada. As velhas industrias fecharam, o pequeno comércio acabou e a juventude zarpou em busca de oportunidades noutras paragens. Nesta cidade ficaram só os ratos e algumas velhas carcaças como eu que que já não querem ir para outro lado.

Foi por isso com surpresa que ouvi bater à porta do escritório que agora fazia também a vez de habitação:

- Não quero comprar nada. -lancei com desdém para a porta
- Boa noite. Peço desculpa, ainda é aqui o gabinete do Sr. Vaz, o detective? -respondeu uma rouca voz feminina do outro lado.
- É; mas se é para vir cobrar a dívida do Mãozinhas diz-lhe que na próxima seman...
- Não é isso -interrompeu a voz- o meu nome é Maria, sou filha do Doutor e tenho um assunto que gostaria de discutir consigo. Posso entrar para conversarmos um pouco?
- Claro, claro entre.

O Doutor, como era conhecido pelas gentes da terra, era o homem mais importante e rico da cidade. Herdara a fortuna da família e conseguiu capitalizar com a crise para somar ainda mais títulos e propriedades. Metade da cidade era dele e a outra metade trabalhava para ele.

Já há muito tempo que ninguém novo entrava naquela cave e certamente ninguém de tão fino recorte. Trazia o cabelo negro coberto por um lenço molhado da chuva e um vestido carmim.

-Peço desculpa pela desarrumação mas não estava a contar com a sua presença. Sente-se aqui. -disse eu, espanando toscamente com o braço uma cadeira poeirenta. Com a pressa derrubei algumas latas velhas que pingaram restos de cerveja morta e cinzas de tabaco para o chão.-Então? Em que a posso ajudar?
- Peço desculpa pelo adiantado da hora mas a situação que lhe venho expor é da máxima urgência.
- Diga, diga!
- O Doutor, meu pai, foi assassinado. Encontrámo-lo prostrado no chão junto a uma poça de sangue e já sem vida. Pedia-lhe que me acompanhasse imediatamente até à mansão para que nos pudesse ajudar a perceber o que realmente se passou. -depois de lhe ter expressado as minhas condolências, completou -Sei que deve parecer estranho estar a fazer-lhe este pedido quando poderia tão facilmente deixar as autoridades tomarem conta do caso mas a verdade é que, como deve saber, o meu pai tinha muitos inimigos e já não me é possível confiar em ninguém nesta cidade; nem mesmo na polícia! E quanto aos outros detectives, bem... digamos apenas que todos eles trabalhavam para o meu pai e que também não são confiáveis. Pode ajudar-me?

Anuí. Como poderia recusar a primeira oferta de trabalho em meses? Pedi-lhe apenas que me desse alguns minutos para lavar a cara e trocar de roupa antes de sairmos. À porta do prédio aguardava-nos o motorista no carro que nos conduziria até à grande mansão do Doutor.